A regra da reciprocidade
Em psicologia, o princípio da reciprocidade é baseado em uma regra social segundo a qual nós “devemos tratar os outros como nos tratam”. Há outra velha máxima que diz “não faça aos outros o que não gostaria que fizessem a você”. Na verdade, são frases que dizem a mesma coisa: você é merecedor de algo quando se faz merecer.
Quando fazemos um favor a uma pessoa, ela sente a obrigação de retribuir tal favor, pois, normalmente, está motivada pelo dever. Essa pessoa pode até desconsiderar a retribuição, mas o débito não será esquecido, nem por quem fez o favor, nem por quem o recebeu.
Dennis Regan (1971) mostrou em seus estudos que uma compensação maior é oferecida a partir de pessoas que tinham recebido previamente um favor do que daqueles que receberam nenhum.
Existe a reciprocidade positiva e a negativa. A primeira acontece quando um favor é retribuído da mesma forma que foi concedido. A segunda ocorre quando a reação de favorecimento é desproporcional à ação inicial. Enquanto a reciprocidade positiva alimenta as relações sociais com um misto de solenidade e gratidão, a reciprocidade negativa acarreta em uma situação social desconfortável e constrangedora.
Bem, a tendência de reciprocidade esteve presente ao longo de toda a história, porque isso tem um grande valor para a sobrevivência da espécie humana. O arqueólogo Richard Leakey descreve que o sistema de reciprocidade é uma “teia de endividamento”, e representa a essência do que nos torna humanos. Ele diz:
“Nós somos humanos porque os nossos antepassados aprenderam a partilhar sua comida e suas habilidades em uma honrada rede de obrigação.”
A psicoterapeuta americana Linda Bloom afirma que “nós somos mais suscetíveis de ficar envergonhados pelo ostracismo se não integrarmos a regra da reciprocidade em nosso comportamento”.
De acordo com Robert Cialdini, professor de psicologia e marketing na Universidade do Arizona:
“Todas as pessoas, de todas as culturas, têm sido treinadas para respeitar a regra de que não se deve receber sem dar.”
O processo de socialização das culturas em geral nos ensina que devemos compartilhar e preocupar-nos com o próximo. “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”, como diz na Bíblia.
Existem incontáveis exemplos de reciprocidade. Em algumas cidades de Portugal, pessoas que não estão de fato trabalhando se oferecem para apontar lugares vagos no estacionamento onde as pessoas podem estacionar seus carros, e então elas pedem dinheiro em troca do favor, compelindo os motoristas a remunerá-las. No Brasil, essa prática é mais comum nas ruas, principalmente de grandes cidades.
Se uma pessoa comparece à sua festa de aniversário, e ainda te presenteia, é mais provável que você também marque presença no dia do aniversário dela (com um presente nas mãos).
Em 1974, o sociólogo Philip Kunz conduziu um experimento interessante. Ele enviou cartões de Natal escritos à mão, contendo uma nota e uma fotografia dele e de sua família para 600 pessoas selecionadas aleatoriamente. Todos os destinatários lhe eram estranhos. Pouco tempo após o envio das cartas, respostas começaram a chegar. No total, Kunz recebeu 200 respostas. Mas por que tantas pessoas responderam a um completo estranho? Por causa da regra da reciprocidade.
A reciprocidade é mais do que uma questão de educação. Esse princípio costuma ser universalmente respeitado por outra razão aparente: as pessoas estão muito preocupadas com seus próprios interesses, entretanto, elas têm a consciência de que o egocentrismo exacerbado pode afastá-las das outras pessoas (situação que inviabiliza seu próprio bem-estar).
Reciprocidade no mundo do trabalho (doadores e receptores)
Muitos estudos sugerem que as pessoas têm maior probabilidade de ter sucesso na vida pessoal e profissional se tiverem o hábito enraizado de ajudar pessoas que necessitam (ou não) de apoio. Ou seja, elas têm mais chances de ser bem-sucedidas se forem altruístas e fizerem concessões recíprocas.
No mundo empresarial, a ideia de reciprocidade está muito ligada à influência social. A fim de conquistar maior status e prevalência profissional, empresários costumam avaliar quais pessoas envolvidas em projetos de negócios são potenciais aliadas, de forma que sabem exatamente para quem podem oferecer algo, sabendo que, futuramente, muito provavelmente serão recompensados por essas pessoas com favores e privilégios especiais. Muitas oportunidades – não apenas em negócios – são criadas e se tornam viáveis dessa forma: ajudando alguém.
Profissionais de marketing utilizam estratégias de reciprocidade para convencer seus consumidores a comprar. Políticos concedem favores e oferecem dinheiro em troca de regalias para angariar fundos de campanha, receber votos e ganhar o apoio de uma maioria a fim de promover um projeto ou uma causa.
Ajudar alguém sem esperar algo em troca é uma reação humana elogiável que advém da regra social da reciprocidade. Em relação a isso, Adam Grant, professor de psicologia e administração na Universidade da Pensilvânia, afirma:
“Todos os dias, as pessoas tomam decisões de agir como doadoras ou receptoras. Quando elas agem como doadoras, contribuem para os outros sem pedir nada em troca; elas podem oferecer assistência, compartilhar conhecimentos, ou fazer introduções valiosas. Quando as pessoas agem como receptoras, elas tentam obter outras pessoas para servirem aos seus fins, enquanto, cuidadosamente, guardam para si mesmas suas experiências e seu tempo.”
Segundo Grant, as organizações em geral têm um forte interesse em manter funcionários que promovam o tipo de comportamento doador. “A vontade de ajudar os outros a alcançar seus objetivos encontra-se no coração da colaboração eficaz, inovação, melhoria da qualidade e excelência no atendimento”, defende ele. Em locais de trabalho com muitos doadores, diz ele, os benefícios são evidentes e se multiplicam rapidamente.
É de se supor que, quando funcionários agem como doadores, eles facilitam a resolução de problemas gerais e constroem culturas colaborativas e coesas em suas empresas, o que reflete em produtividade não só para a organização em si, mas também para todos os stakeholders da rede de negócios.
No entanto, essa produtividade nem sempre é uma constante para doadores. Um estudo feito por Frank Flynn, professor de comportamento organizacional de Stanford, revelou duas coisas que acontecem com profissionais que ajudam seus colegas de trabalho. Primeiro, os doadores foram percebidos pelos seus colegas como extremamente valiosos. Segundo – e é aí que fica complicado -, os doadores tiveram menor produtividade em seus projetos pessoais, pois eles desviaram uma grande quantidade de tempo e energia para os problemas de seus colegas, esquecendo-se dos próprios. Nesse caso, a generosidade serviu para aumentar a percepção de valor dos doadores, em contrapartida, diminuiu seu rendimento.
Esse é um desafio para administradores, principalmente líderes e gestores de pessoas. Como eles podem promover a generosidade sem minar a produtividade? Como eles evitam criar situações onde as pessoas generosas dão muito de sua atenção, enquanto colegas de trabalho mais egoístas sentem que têm ainda mais licença para tomar? Como, enfim, eles podem proteger as pessoas generosas de serem tratadas como capachos?
De acordo com Grant:
“Parte da solução é orientar os doadores a criar um limite, de modo que possam recusar alguns favores. Ainda mais importante, é ajudar os doadores a refrear seus impulsos generosos, mostrando que podem ser mais produtivos. Doadores estão melhor posicionados para o sucesso quando eles distinguem a generosidade de três outros atributos: timidez, disponibilidade e empatia.”
Segundo Grant, a timidez costuma afligir os doadores. O oposto de timidez, a assertividade, no entanto, pode ser a solução. Sendo assim, os gestores de pessoas e líderes podem ajudar seus funcionários mais generosos a serem mais assertivos, para que valorizem seus projetos pessoais tanto quanto os dos outros.
Sobre a questão da disponibilidade, Grant afirma que, à medida em que interagem com dezenas ou centenas de pessoas, inúmeros pedidos de ajuda chegam aos doadores, e estes tendem a acomodar todos, negligenciando as suas próprias responsabilidades, e deixando o tempo à mercê dos receptores. Em vez de acomodar todos os pedidos de ajuda, diz ele, os doadores precisam estabelecer limites para sua disponibilidade.
Também faz sentido para os doadores ser seletivo quanto a quem eles ajudam. Quando receptores negam solicitações, eles parecem egoístas. Mas os doadores têm mais liberdade para recusar, sem perder o respeito de seus colegas. E é essa a razão da qual gestores de pessoas e líderes podem usar para convencer os doadores a construír barreiras efetivas contra o abuso de sua própria generosidade.
A terceira armadilha que os doadores devem evitar, segundo Grant, é a empatia. Embora seja uma característica humana admirável, e muito útil, ela pode dificultar ainda mais a vida dos doadores. De acordo com Grant, se uma pessoa generosa demais for facilmente movida pela empatia para fazer favores, ela corre um sério risco de ser manipulada pelos receptores perspicazes. Não só os doadores, mas a colossal maioria das pessoas altamente empáticas tendem a colocar as necessidades dos outros à frente das próprias. E o que os gestores de pessoas e líderes podem fazer? Grant sugere que eles ensinem os doadores a assumir uma perspectiva de receptores, criando uma lista equilibrada com objetivos pessoais e pedidos de colegas, dessa forma, os interesses de uma organização como um todo serão melhor correspondidos, sem que haja prejuízos concretos de produtividade.
O professor Adam Grant é uma referência no ensino de como entender a regra da reciprocidade no mundo do trabalho. Suas considerações podem ajudar as pessoas doadoras a controlar seus impulsos generosos, de modo que possam manter sua produtividade a níveis razoáveis, tanto pessoal quanto profissionalmente. As considerações de Adam Grant também podem ajudar as pessoas receptoras a transferir menos responsabilidades para os outros, de forma que possam ser, ao mesmo tempo, mais empáticas e autônomas; orientadas, enfim, para a participação ativa e colaborativa em busca do sucesso.
Como disse Bill Gates, “há duas grandes forças da natureza humana: os próprios interesses, e cuidar do próximo”. Em todas as organizações, essas forças se unem, muitas vezes com efeitos prejudiciais. Mas, de acordo com Grant, gestores de pessoas e líderes devem estimular a reciprocidade no ambiente de trabalho, mas, antes, devem se certificar de que cuidar dos outros seja uma estratégia comum a todos, inclusive os mais ambiciosos.
“Doadores podem tornar-se confortáveis pedindo favores, bem como concedendo-lhes. O tempo pode ser poupado para os projetos dos outros, mas também protegido para os próprios. Generosidade e reciprocidade podem ser guiadas no sentido de maior impacto. E as organizações podem obter benefícios cada vez maiores a partir do princípio de dar e receber.”
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