Por que Tchernóbil ainda importa?
Demorou um Nobel para que Svetlana Aleksiévitch fosse publicada no Brasil.Vozes de Tchernóbil é um dos relatos jornalísticos mais literários dos últimos tempos — capaz de deixar Gay Talase ou Truman Capote de cabelo em pé. Nos 30 anos que marcam a tragédia — que parece ter se repetido em Fukoshima anos atrás — o livro da jornalista bielorrussa é um colírio aos olhos que se mantêm fechados.
Quando John Hershey visitou Hiroshima após o ataque nuclear, o norte-americano testemunhou o caos deixado pelo seu país em solo japonês. A sensação de Aleksiévitch ao entrar na cidade-fantasma não é muito diferente. Os leitores são como os homens que procuram o Stalker de Tarkóviski, seres humanos solitários que procuram uma saída para sua vida miserável, a vagar pelos restos de uma cidade devastada pela força invisível.
Svetlana Aleksiévitch emocionada e choca, cria um sentimento de indignação diante da omissão de um globo inteiro. Ninguém parece ter chorado as mortes de Tchernóbil. Os mortos eram lacrados em suas sepulturas, mas a dor permanecia com a radiação a céu aberto. São vozes múltiplas a contar seu relato quase inverossímil — não fossem a transmissão ao vivo de TVs e jornais — de famílias dizimadas e destruídas em tempo real.
É por todos os mortos que ainda nos importamos com Tchernóbil. É para que o desastre seja uma lembrança histórica que ainda doa. É pelas cicatrizes que apagam ao vento que a história de Tchernóbil precisa ser contada. É pelo respeito ao passado que Svetlana Aleksiévitch foi a escolhida. Vozes de Tchernóbil é um manifesto contra o egoísmo e a falta de amor ao próximo.
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