quinta-feira, 9 de junho de 2016

DOWN & CHÁ VERDE

Cientistas desenvolvem primeiro tratamento eficaz para síndrome de Down






Composto do chá verde melhora moderadamente a capacidade intelectual dos afetados


Um dos principais dogmas da medicina, o de que asíndrome de Down não tem tratamento, começa a ser derrubado. Pesquisadores espanhóis acabam de demonstrar que um composto do presente no chá verde, acompanhado por um protocolo de estimulação cognitiva, pode melhorar as capacidades intelectuais de pessoas com síndrome de Down. “É a primeira vez que um tratamento demonstra eficácia num estudo confiável em termos científicos”, diz Mara Dierssen, neurocientista do Centro de Regulação Genômica de Barcelona e uma das líderes da pesquisa. O ensaio clínico ainda está longe da cura, mas “abre novas vias ao tratamento farmacológico da síndrome de Down”, afirma a cientista.
A síndrome é um transtorno genético em que a pessoa tem 47 cromossomos, em vez dos 46 habituais. Essa cópia extra altera a formação do corpo e do cérebro. As crianças podem ter um atraso no desenvolvimento mental e sinais físicos muito reconhecíveis, como nariz achatado e uma única prega na palma da mão. Através de estudos com roedores, a equipe de Dierssen identificou um gene, o DYRK1A, relacionado com a formação do cérebro e superativado pelo cromossomo extra. O gene produzia um excesso de proteínas associadas às alterações cognitivas. O composto do chá verde – epigalocatequina galato – retorna as proteínas aos níveis normais.
Quase todos os pais adivinharam ao final do ensaio se seu filho tomava um tratamento real ou um placebo
No ensaio participaram 84 pessoas com síndrome de Down, com idades entre 16 e 34 anos. Cerca da metade tomou o tratamento durante um ano, enquanto os demais recebiam placebo (substância sem ação terapêutica) para a comparação. Dierssen reconhece que “as mudanças observadas não são muito importantes”, mas foram suficientes para que quase todos os pais adivinhassem, no final do estudo, se seu filho havia tomado um tratamento real ou um placebo.
O extrato de chá verde melhorou de maneira moderada a memória de curto prazo e a capacidade de organização na vida diária, além de inibir a impulsividade dos pacientes. As imagens do cérebro mostram mudanças no córtex relacionadas com essas melhoras. Os resultados foram publicados nesta terça-feira na revista médica The Lancet Neurology. Há anos Dierssen lamenta a falta de apoio da indústria farmacêutica às suas pesquisas. “É um composto presente num produto natural e não pode ser patenteado. Não interessa à indústria”, afirma. A neurocientista já fez concertos com seu grupo de rock, From Lost to The River, para arrecadar dinheiro para seus trabalhos. O último ensaio clínico, que custou 750.000 euros (2,9 milhões de reais), teve a colaboração do farmacologista Rafael de la Torre, diretor do Instituto Hospital del Mar de Pesquisas Médicas, em Barcelona, e da fundação francesa Jérôme Lejeune, que arcou com a maior parte dos recursos.
Agora Dierssen pretende organizar um novo ensaio clínico, mas com uma quantidade muito maior de pacientes em diversas cidades, para ter uma amostra representativa da população com síndrome de Down. Um estudo assim, de fase 3, é caríssimo e costuma exigir investimento privado. “O custo é muito elevado. Ou as instituições se envolvem ou não poderemos fazer”, diz a pesquisadora. De la Torre estima que custaria cerca de 3 milhões de euros (8,8 milhões de reais). No momento, com um “pequeno financiamento” da Fundação Mútua Madrilenha, ambos preparam um ensaio pediátrico para analisar a segurança do extrato de chá verde em crianças com síndrome de Down.
O custo é muito elevado. Ou as instituições se envolvem ou não poderemos fazer.”
De la Torre reconhece que há famílias que, por sua conta e graças ao boca a boca, administram extrato de chá verde a seus filhos com o transtorno. O pesquisador desaconselha essa prática com menores de 16 anos, já que o perfil de segurança da substância não foi comprovado e poderiam aparecer efeitos colaterais. “Em adultos, tampouco fazemos uma promoção ativa. Nem aconselhamos nem desaconselhamos”, diz.
O geneticisma Roger Reeves, da Universidade Johns Hopkins (EUA), é mais cauteloso e alerta quanto a possíveis efeitos da epigalocatequina galato em outras proteínas, além da codificada pelo gene DYRK1A. Também diz que as doses do composto nos extratos de chá verde disponíveis nas lojas varia muito. “É importante que as pessoas sejam conscientes das limitações de nosso conhecimento sobre potenciais efeitos e efeitos secundários de um tratamento sem supervisão com epigalocatequina galato”, afirmou Reeves, alheio ao novo trabalho, ao portal especializado Science Media Centre.
David Nutt, diretor do Centro de Neuropsicofarmacologia da Faculdade Imperial de Londres (Imperial College London), é mais otimista. “É emocionante ver que o entendimento da neurobiologia genética da síndrome de Down possibilita tratamentos específicos”, diz. “Esperamos que a promessa desse estudo experimental seja confirmada nos ensaios de grande escala e que outros sigam o enfoque.”

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