Sociedade ‘adultocêntrica’ não protege da forma devida o universo infanto-juvenil. E o problema está na educação.
Nossa Constituição Federal estabelece expressamente que os direitos da criança, do adolescente e do jovem devem ser assegurados, com absoluta prioridade, pela família, sociedade e Estado. No entanto, basta um simples olhar ao nosso entorno para constatarmos como é de fato distante do cotidiano social esse importante mandamento constitucional.
A sociedade é ainda bastante “adultocêntrica” e, portanto, diversos preceitos de proteção jurídica ao universo infanto-juvenil permanecem apenas como promessas da legislação.
Nos discursos do cotidiano, na roda de amigos, nas opiniões postadas nas redes sociais do Facebook, as pessoas discursam na linha do “politicamente correto” e defendem, por exemplo, que a criança tem direito ao aleitamento materno, que os cuidados na primeira infância são essenciais para a formação da pessoa humana, que a presença dos pais é essencial para educação dos filhos, que problemas de déficit de atenção de crianças são mal diagnosticados e podem esconder problemas de afetividade familiar, que o bullying deve ser combatido nas escolas, que as crianças têm direito a brincar, que a violência doméstica deve ser combatida, dentre inúmeros outros argumentos que são reconhecidos como legítimos pelo senso comum da sociedade.
Ressalta-se que muitos desses direitos encontram-se em recente legislação aprovada, que foi denominada “marco legal da primeira infância”. Todavia, na prática... Pergunto, então: o que cada cidadão brasileiro está realmente fazendo para concretizar, nas pequenas atitudes de seu cotidiano, o direito de proteção integral à criança conforme determina nossa constituição e legislação?
As violações ao segmento infanto-juvenil são ainda muito presentes e graves em nossa sociedade. Há uma grande desconexão entre as normas jurídicas de proteção ao segmento infanto-juvenil e o cotidiano social, o que demonstra que o valor e o conteúdo dessas normas ainda não estão arraigados em nossa consciência social, nem em nossas atitudes, as quais permanecem relacionadas a uma conjuntura fortemente “adultocêntrica”.
Para exemplificar esse contrassenso, vejamos: como garantir o aleitamento materno se muitas empresas ainda relutam em conceder licença-maternidade de, pelo menos, seis meses para suas empregadas mães? Como permitir que o pai acompanhe mais de perto as primeiras semanas de vida de seu filho se a licença-paternidade estendida ainda é um tabu nas relações trabalhistas?
Como proporcionar à criança o direito de brincar se a prioridade de nossas ruas é dos carros e não dos pedestres? Vale mencionar que mudanças efetivas de comportamento social são impulsionadas especialmente por meio da educação.
Assim, não será possível eliminar a distância que existe entre o discurso de proteção ao segmento infanto-juvenil e sua prática se não promovermos, no Brasil, uma educação de qualidade que conscientize sobre a profunda importância dos valores de proteção à pessoa humana em formação e que demonstre as enormes vantagens estruturais de organizarmos uma sociedade que respeite os direitos de suas novas gerações.
Frise-se que pesquisas realizadas na área da economia já demonstraram que o investimento em ações de proteção à primeira infância implica as maiores taxas de retorno financeiro para uma sociedade. Nesse sentido, é importante destacar que, além da própria escola, os cursos de bacharelado em direito possuem uma enorme importância para combater, com maior efetividade, as violações aos direitos da criança e do adolescente.
Eles são responsáveis pela formação de profissionais de ensino superior tecnicamente preparados para atuar na prevenção dos conflitos sociais e, no caso de lesão a direito, acionar a Justiça para a composição dos danos.
Porém, uma triste e inusitada situação está presente na grande curricular da maior parte dos cursos jurídicos brasileiros: a disciplina “Direito da criança e do adolescente” raramente é ministrada aos alunos da graduação e geralmente é ofertada apenas como uma matéria optativa nos últimos anos do curso. Como consequência, os alunos se formam em direito sem conhecer a importância da matéria.
Vale complementar que o direito da criança e do adolescente, além de interdisciplinar, possui diversas especificidades. Muitos advogados, juízes e promotores que desejam atuar diretamente na área de proteção ao segmento infanto-juvenil iniciam suas carreiras sem a devida formação específica, omissa desde a própria graduação, o que gera um grande prejuízo social para a própria qualidade da proteção jurídica de que a criança e sua família necessitam, geralmente com muita urgência.
Como decorrência do princípio constitucional que garante prioridade absoluta ao universo infanto-juvenil, é responsabilidade dos cursos de direito ofertarem a disciplina “Direito da criança e do adolescente” como matéria obrigatória da grade curricular. Frise-se, ainda, que a disciplina deve ser ofertada no início do curso e não nos últimos anos.
Esta é uma recomendação importante, pois aproximar o aluno da matéria logo no início de sua formação potencializará profissionais que tenham talento para atuar na área, além de proporcionar um efeito transversal para que os princípios da disciplina ecoem para os demais ramos do direito.
Assim, por exemplo, um advogado que se especializar em direito do trabalho e se tornar gerente jurídico de uma empresa, mesmo não exercendo diretamente uma atividade na área do direito da criança e do adolescente, lutará pelo direito à licença-maternidade e paternidade, bem como pelo aleitamento materno para as funcionárias da empresa em que atua.
O caminho efetivo para diminuirmos a distância entre o discurso normativo e a realidade é, sem dúvida a consolidação de uma educação conscientizadora em prol da proteção dos direitos infanto-juvenis, para que seus valores inspirem nossas ações nos gestos mais simples de nosso cotidiano. É um enorme contrassenso o fato de os próprios cursos de direito não darem a devida relevância para a disciplina que aborda os direitos da criança e do adolescente, na medida em que esses direitos são os únicos reconhecidos pela Constituição Federal como os mais importantes, dotados de prioridade absoluta em sua proteção. É hora, portanto, de mudarmos este cenário!
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