Mesmo entrando no terceiro ano de crise financeira e com o seu PIB crescendo abaixo da média nacional, o custo de vida no Rio ainda é "surreal". A escalada de preços que ocorreu antes da Copa e da Olimpíada até perdeu fôlego, mas não impediu que a cidade permanecesse entre as mais caras do país. Comer, pagar aluguel, comprar imóvel, andar de metrô, abastecer o carro e usar energia custam mais para o carioca. Em todos esses itens, o Rio tem o preço mais alto ou o segundo maior do país.
O aumento dos gastos das empresas com segurança, as alíquotas mais altas de impostos, o apelo turístico internacional e a alta concentração de servidores públicos explicam por que os preços não cedem a ponto de tornar a cidade mais barata para viver.
- O turismo coloca os preços na Zona Sul muito lá em cima, de imóveis a serviços. E o grande número de servidores públicos, uma herança do tempo em que fomos capital do país, garante uma renda maior para essa população, estimulando historicamente a alta de preços - comenta André Braz, economista responsável pelo monitoramento de preços do Ibre/FGV.
A taxa de desemprego na capital fluminense, porém, mais que dobrou nos últimos dois anos, e o rendimento médio real do trabalhador carioca caiu 8% no fim de 2017, para R$ 2.842. É o nono no país - um ano antes era o sexto, segundo o IBGE.
O salto de preços ocorreu com mais força na primeira metade desta década. A Rio 2016 supervalorizou imóveis e serviços, e a inflação explodiu em 2015, chegando a 10,5% na Região Metropolitana.
Marcos Pazzini, diretor do IPC Marketing, monitora há mais de 20 anos o potencial de consumo dos brasileiros. Segundo ele, o Rio tem historicamente um padrão de consumo tão alto que, mesmo com a queda nos preços de itens que pesam no orçamento, como moradia e alimentação, a capital não se tornou mais barata em relação às demais.
- Mesmo em um período recessivo e com os atrasos nos pagamentos de fornecedores e servidores públicos (há quase um milhão no Rio, concentrados na capital), o comércio e os serviços têm seus custos. O empresário precisa sustentar seu estabelecimento e lucrar - explica Pazzini.
VIOLÊNCIA AUMENTA CUSTOS E SEGURA PREÇOS
Um exemplo são os alimentos. No ano passado, o preço médio da cesta básica medido pelo Dieese caiu no Rio, para R$ 425,07, frente aos R$ 444,47 do ano anterior. Desde 2010, a capital tem a quarta ou quinta cesta mais cara do país. Mas os preços dos alimentos começaram 2018 avançando na capital e, em fevereiro, dado mais recente, a cesta subiu para R$ 438,63, o valor mais alto no país. Foi seguida por São Paulo (R$ 437,33) e Porto Alegre (R$ 434,50). O menor preço estava em Aracaju (R$ 341,59).
O recuo registrado nos mercados de venda e locação de imóveis também não alterou a posição do Rio em relação ao restante do país. De acordo com o índice FipeZap, pelo menos nos últimos seis anos o Rio tem o metro quadrado médio mais caro para venda do país. Houve uma retração de 7,9% acumulada nos últimos três anos, mas a cidade seguiu com o patamar mais elevado. Em fevereiro deste ano, o metro quadrado no Rio custava, em média, R$ 9.686 para compra, enquanto que a média das 20 cidades monitoradas ficou em R$ 7.549.
- Como houve uma alta muito grande de 2009 a 2013, essa queda mais recente não é percebida facilmente. Mas o Rio está sentindo a crise, é a cidade que sofre a maior desvalorização dos imóveis atualmente - explica a gerente de Inteligência de Mercado do Grupo ZAP Viva Real, Cristiane Crisci.
Com essa desvalorização, o Rio perdeu para São Paulo a primeira posição no ranking do metro quadrado para aluguel mais caro do país no ano passado. Os preços na capital fluminense caíram 8,49% em relação a 2016. O dado mais recente, referente a janeiro, mostra que o Rio segue em segundo lugar (R$ 31,15/m²), mas acima da média nacional das 15 cidades monitoradas (R$ 28,05/m²).
O valor alto do aluguel é o principal peso no orçamento da universitária Alice Portes, de 21 anos, que, com 17, veio de Manhumirim, em Minas Gerais, estudar no Rio. Faz estágio e mora sozinha em uma quitinete no Flamengo. Só consegue se manter com a ajuda financeira dos pais.
- A diferença dos preços em relação à cidade de onde vim é muito grande. Aqui, tudo é muito caro, o que acaba afetando também a renda dos meus pais. Com aluguel, por exemplo, gasto 140% mais do que se morasse em Minas. Em relação às despesas do dia a dia, gasto, em média, 80% mais - conta Alice.
Além disso, o aumento da violência, principalmente do roubo de cargas, tem elevado os custos às empresas. E estas evitam uma redução de preços de seus produtos e serviços, apesar de o desemprego ter quase triplicado na capital nos últimos dois anos, atingindo 438 mil pessoas ao fim de 2017.
- Aqui em São Paulo dizemos que enviar carga para o Rio é igual a jogar contra o Corinthians no Itaquerão (estádio do clube). Você precisa ir, mas sabe que vai ser roubado - brinca Pazzini.
Com a insegurança maior, o carioca também passou a pagar mais pelo seguro de carro. Dados do IBGE mostram que, enquanto no país a alta média foi de 1,59% no acumulado dos 12 meses até fevereiro deste ano, o reajuste das apólices foi de quase 15% no Rio. Foi a terceira maior variação no período, atrás apenas de Recife (16%) e Vitória (15,37%). Os dados de roubos ajudam a explicar o aumento. De acordo com o Instituto de Segurança Pública, o furto de veículos saltou 30% em 2017, de 41.696, em 2016, para 54.367, no ano passado.
O roubo de energia elétrica também explica, em parte, o Rio ter a tarifa mais cara entre as capitais do país, de acordo com levantamento realizado pela empresa Comerc. Com reajustes anunciados na última terça-feira para os serviços fornecidos por Enel e Light, o quilowatt-hora (kWh) na capital passou a custar R$ 0,975 e R$ 0,910, respectivamente. Os novos valores valem a partir de hoje.
Pesa também, explica o presidente da Comerc Energia, Cristopher Vlavianos, o ICMS sobre esse serviço no estado ser o maior do país: 30%. Isso faz com que 42,7% do valor cobrado pelo kWh sejam destinados ao pagamento do tributo. Em São Paulo, onde o ICMS é de 18%, o valor do kWh é praticamente a metade do praticado no Rio: R$ 0,573.
- Rio, Amazonas e Pará têm a maior incidência de gatos de energia. A distribuidora tem um custo que precisa ser dividido entre os consumidores - explica Vlavianos.
PIB DO ESTADO FICA ABAIXO DA MÉDIA NACIONAL
A carga maior de ICMS, 34%, também explica uma gasolina mais cara no Rio. O litro na capital fluminense custa, em média, R$ 4,646, de acordo com dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Fica atrás apenas de Rio Branco, com R$ 4,772. O ICMS é o principal peso na formação do valor do litro, equivale a um terço do preço final.
- O ICMS é o tributo de maior circulação e maior arrecadação, pois incide sobre todos os produtos e em toda a cadeia. Por isso, uma alíquota mais alta tem um peso grande no valor final ao consumidor - explica o presidente executivo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), João Eloi Olenike, ressaltando que o Estado do Rio tem a maior alíquota geral do país, de 20%, enquanto a dos demais fica entre 17% e 18%.
A Secretaria estadual de Fazenda explica que uma faixa de consumo de energia elétrica, os produtos que compõem a cesta básica e alguns outros alimentos e produtos de higiene têm alíquotas "diferenciadas" de ICMS, o que "ajuda a compensar os setores em que a incidência do tributo é mais alta".
No caso dos transportes, apesar de uma malha metroviária restrita, a cidade tem o segundo metrô mais caro do país, com a passagem custando R$ 4,30. O Rio perde para Brasília, que cobra R$ 5.
Segundo projeções do Itaú, o PIB do Estado do Rio vai seguir crescendo, em média, 1,6% ao ano até 2022. Essa foi a mesma performance observada entre 2010 e 2015. Em ambos os recortes, fica abaixo da média nacional. Mesmo assim, a tendência, segundo Braz, do Ibre/FGV, é que os preços sigam acelerando, acompanhando uma leve melhora prevista no mercado de trabalho.
Nenhum comentário:
Postar um comentário