Em busca de recolocação? Como recrutadores robôs poderão afetar suas perspectivas de emprego
Da próxima vez que você concorrer a uma vaga de emprego, poderá ficar a cargo de um algoritmo (programa) de computador decidir se seu perfil é ou não é adequado.
Isso ocorre porque programas inteligentes (que usam recursos de Inteligência Artificial e aprendizagem automática) estão ficando "melhores" do que os recrutadores humanos para analisar e cruzar grandes quantidades de dados recolhidos a partir de formulários preenchidos por candidatos, currículos e perfis de redes sociais.
Devido à sua enorme capacidade de processar milhares de dados em pouco tempo, os softwares que atuam como recrutadores robôs são capazes de fazer muito mais do que verificar suas credenciais com relação aos requisitos de uma vaga, eles podem identificar traços de personalidade a partir da maneira como você se expressa, por exemplo, nas redes sociais (sugiro a leitura do texto: Como seu perfil em redes sociais pode ser seu aliado ou seu inimigo).
Esses algoritmos tentam automatizar as práticas dos recrutadores feitas consciente ou inconscientemente, quando pré-selecionam candidatos considerando diversos fatores, além das qualificações profissionais. É como se a máquina pudesse ter algo bem natural a nós humanos: o "feeling".
Apesar de todos esses avanços, o intuito não é que a máquina venha a substituir, por completo, um recrutador humano.
A ideia é que ela possa atuar de forma conjunta com uma pessoa, fazendo uma pré-seleção inicial de bons candidatos, deixando para um humano a decisão final.
Desse modo, uma empresa que recebe milhares de candidatos às suas vagas, poderia evitar que um recrutador humano ficasse sobrecarregado, fazendo algo que a máquina tem potencial para fazer.
O objetivo de um robô não é dizer quem contratar, mas, por exemplo, indicar por meio de uma pequena lista quais pessoas devem ser entrevistadas.
Quanto mais dados os algoritmos de recrutamento puderem analisar, mais precisa as suas avaliações se tornarão. E eles podem aprender com os sucessos e fracassos anteriores. Portanto, se um candidato previamente selecionado faz um bom trabalho, por exemplo, o seu perfil pode ser disponibilizado novamente para o algoritmo, de modo que a máquina possa detectar pessoas com perfis semelhantes no futuro.
Segundo Sheerov Desai, presidente-executivo da empresa de recrutamento Gild(que usa técnicas de Inteligência Artificial), um recrutador analisaria por volta de 20.000 ou 30.000 currículos durante sua vida. Uma máquina que é alimentada por centenas de milhões de currículos tem todo o potencial para superar os humanos nesta atividade.
Antes do advento dos computadores e da ciência de dados (big data), os recrutadores gastavam muito tempo fazendo uma pesquisa manual sobre os candidatos, procurando detalhes sobre o trabalho que eles fizeram no passado, seus traços de personalidade, etc. Tudo isso, hoje, já pode ser automatizado e feito de forma eficiente.
E estes algoritmos muitas vezes podem detectar coisas que nós seres humanos não podemos. Por exemplo, um caso interessante foi citado pela empresa recrutadora Gild: um dos seus clientes queixou-se que a agência estava enviando engenheiros Java para concorrem a uma vaga destinada a um desenvolvedor Android. A máquina após analisar centenas de milhões de currículos, chegou a conclusão de que Java e Android eram tecnologias muito semelhantes. A máquina estava certa - um programador Java, ainda que não esteja familiarizado com o desenvolvimento para o Android, conseguiria aprender a lidar com ele muito rapidamente, por conta dessa semelhança entre as tecnologias.
Outra grande vantagem que computadores têm sobre os humanos é que eles são livres de preconceito racial e de gênero. Recrutadores humanos podem - mesmo inconscientemente - rejeitar candidatos por conta de etnia, sexo ou educação. Os algoritmos podem avaliar os candidatos de modo objetivo.
Foi justamente este tipo de problema que levou ao lançamento de um serviço chamado Blendoor , um "Tinder para o emprego" que esconde idade, raça, nome e sexo dos candidatos e considera somente habilidades profissionais para aproximar as empresas das pessoas.
Além da possibilidade de ajudar a encontrar os melhores candidatos, os algoritmos de computador podem ajudar a entender a motivação e o engajamento dos funcionários após a contratação.
Os funcionários mais engajados e felizes são os que, geralmente, apresentam o melhor desempenho. O grande problema é como medir essa "felicidade" e engajamento. A medição do engajamento não é como um check-up anual que pode ser feito e atestado por um médico. É algo contínuo que deve estar sendo monitorado o tempo todo.
Estão sendo desenvolvidos algoritmos (programas de computador) que possam minerar os dados referentes a funcionários para prever quais equipes podem estar com problemas e sugerir como os gerentes poderiam evitá-los.
A questão é que a coleta desses dados podem envolver ações muito invasivas.
Em uma experiência recente no MIT, o Instituto de Tecnologia de Massachusetts, os funcionários de uma empresa usavam monitores para acompanhar os seus estados emocionais básicos. Os algoritmos, por meio da análise dos dados, identificaram que todos os funcionários experientes vivenciavam situações pontuais de raiva durante o seu dia. Outras análises mostraram que isso ocorria sempre durante as reuniões com um gerente específico... A máquina indicou, portanto, quem era a causa do problema. Se por um lado seria bom saber a origem do problema, por outro lado, a coleta de dados exigiria um alto nível de invasão para monitorar os funcionários...
As vantagens do uso de computadores no processo de seleção de candidatos é bastante claro, entretanto, existe sempre o outro lado da moeda. Quais são os riscos de depender tão fortemente de computadores para fins de recrutamento?
Algoritmos treinados para detectar correlações e padrões, procurando candidatos que se encaixam de modo ideal numa vaga por conta de sua experiência anterior, podem rejeitar candidatos novos e "fora dos padrões", que poderiam ser excelentes profissionais.
Desta forma, esses algoritmos não devem ser demasiadamente rígidos, pois podem acabar escolhendo candidatos competentes, mas rejeitando grandes talentos, no meio de potenciais candidatos. Esses algoritmos devem caminhar numa direção que vise definir tarefas on-line relevantes para os candidatos, permitindo avaliar da melhor forma o talento. Basear as escolhas apenas em currículos pode ser um complicado, até mesmo porque nem sempre o currículo retrata de forma fiel uma pessoa.
A tecnologia de recrutamento precisa caminhar lado a lado com os recrutadores humanos, afinal selecionar candidatos é, em essência, uma atividade que exige muita sensibilidade.
Apesar de todo esse cuidado ao pensar num modo automático de recrutamento, todo o processo envolve muito dinheiro e a tendência do uso dessa tecnologia é clara e, cada vez mais, será uma realidade.
Para citar um exemplo, só nos EUA todos os meses são criadas mais de 5 milhões de vagas de emprego e cada uma delas atrai 250 candidatos em média (dados doBureau of Labor Statistics). Automatizar este processo de seleção de candidatos representa economia de dinheiro. Além disso, um percentual significativos de novos contratados saem do emprego depois de seis meses, o que representa mais custos para a empresa. Deste modo, as empresas vão cada vez mais procurar fazer de tudo para obter a pessoa certa desde primeira vez. E neste cenário, uma seleção automática com boas indicações torna-se bastante atrativa. O vídeo seguinte (em inglês) é de uma empresa que produz esse tipo de software.
Portanto, no futuro, alguém que não conseguir passar num processo de seleção de uma vaga poderá por a culpa em um computador e não o mais no departamento de RH.
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Sobre o autor:
Patrick Pedreira é Professor Mestre em Ciência da Computação, aluno especial de doutorado na USP, coordenador de curso de graduação e, acima de tudo, um amante da tecnologia.
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