Cientista político Jairo Nicolau fala sobre as conclusões do raio-x nas contas dos candidatos e o que essas contas indicam para o financiamento da próxima eleição.
A criação de um fundo público para financiamento das campanhas eleitorais no Brasil é um dos principais pontos em discussão na reforma política que tramita no Congresso. Essa iniciativa foi lançada pelos parlamentares com a intenção de contornar o desfalque de caixas provocado por uma decisão do Supremo Tribunal Federal que, em 2015, proibiu as doações de empresas aos candidatos e a seus partidos. A decisão judicial foi uma reação aos seguidos escândalos de corrupção envolvendo o financiamento privado - boa parte da Lava Jato se baseia em ilegalidades nesses pagamentos por companhias que têm interesse direto nos negócios do governo. Criar um fundo público foi, portanto, a maneira encontrada pelos parlamentares para recompor as contas na hora de disputar eleições.
Mas, para que isso seja possível já em outubro de 2018, qualquer mudança deve ser aprovada num prazo exíguo, que se esgota no dia 7 de outubro - exatamente um ano antes da data da próxima eleição. O valor do fundo público proposto não seria fixo. Pela proposta, ele estaria atrelado à variação da receita corrente líquida da União, o que equivaleria a aproximadamente R$ 3,5 bilhões em 2018. Esse novo fundo público de campanha seria complementar ao fundo partidário atualmente existente, de R$ 1 bilhão em 2017, e também complementaria as doações de pessoas físicas, que continuam sendo permitidas.
Para o cientista político Jairo Nicolau, o debate sobre o fundo de campanha público e a fixação desses valores está sendo feita de maneira apressada e aleatória no Brasil, sem ter como base parâmetros de campanhas passadas. Nicolau diz que o debate sobre esse assunto vem sendo “marcado pelo improviso e pela falta de uma boa justificação para as propostas apresentadas”. A razão para isso, segundo o pesquisador, está no fato de os parlamentares terem invertido prioridades no debate atualmente em curso. Da forma como o debate está colocado, diz Nicolau, o Congresso parece interessado apenas em arrumar uma fonte pública que possa manter fluindo para as campanhas políticas o mesmo nível de recursos que vinha fluindo por meio das doações empresariais. Assim, apenas “sai a empresa e entra o Estado”, sem alterar os valores de campanhas que estão entre as mais caras do mundo.
Na opinião dele, esse era o momento de inverter a lógica, e fixar um valor realista para o fundo público eleitoral que partisse de um levantamento do custo real das campanhas. Por melhorar a qualidade desse debate, o pesquisador propõe então olhar para trás e entender o comportamento das contas da campanha de 2014, num recorte específico da disputa para deputado federal. Ele reconhece que “os valores apresentados aqui não refletem o volume de recursos arrecadados e de despesas das eleições de 2014; as denúncias que surgiram no âmbito da Operação Lava Jato indicam que o caixa dois foi amplamente utilizado”. “De qualquer modo”, diz o pesquisador, “acredito que a prestação de contas apresentada pelos candidatos à Justiça Eleitoral não deve ser desprezada, e pode revelar padrões importantes do financiamento da política no Brasil.
O levantamento mostra, por exemplo, a disparidade de gastos das candidaturas nos diversos estados, algo que a atual proposta de criação do fundo partidário não leva em conta, à medida que entrega os recursos ao diretório nacional de cada partido. Em termos absolutos, o estado no qual os candidatos a deputado federal mais gastaram na campanha de 2014 foi São Paulo, com mais de R$ 290 milhões. Nicolau lembra que esse dado previsível corresponde ao fato de ser o estado com mais cadeiras. Assim, em Roraima, com menos cadeiras, o gasto foi de R$ 9,5 milhões.
No sistema brasileiro, diz Nicolau, a captação é centrada no candidato, não no partido ou no programa. A nova regra dificilmente inverteria isso, à medida que os diretórios seguiriam “apostando” nos que têm maior potencial de votos. Ele considera que isso deveria ser equilibrado com maior protagonismo dos partidos, e menor protagonismo das personalidades políticas que disputam votos. Isso “aumentaria a cultura política e o debate de propostas, pois temos e seguiremos tendo um modelo centralizado demais no candidato”.
Nicolau interpreta os dados de 2014 e afirma que o debate em torno do novo fundo poderia ter ganhado qualidade se partisse da análise da realidade, pois, tal como está, ficou fixado na busca de “um número mágico e aleatório para o fundo de campanha, que não necessariamente corresponde à realidade”.
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