De supetão, um amigo me disse outro dia: o Brasil não é uma democracia. Fiquei com a frase engasgada no peito. Pensei e repensei o tema. Afinal, sei que uma sociedade hierárquica e desigual não pode ser uma democracia no sentido moderno.
Como chamar de democracia um país em que a prisão dos que têm diploma universitário se chama “prisão especial” e é diferente da prisão do cidadão que não tem diploma. Em que os políticos têm foro privilegiado? Uma sociedade em que o aborto é considerado crime, mas as mulheres ricas o fazem às escondidas enquanto as pobres são deixadas à sua própria sorte? Um país no qual usuários de drogas ricos não são vistos como traficantes, enquanto os pobres com cinco gramas de maconha podem ir para presídios inumanos? No qual as escolas onde estuda a maioria da população são precárias enquanto os muito ricos usufruem de escolas particulares, bilíngues. Uma democracia não pode ser plena quando a lei é aplicada desigualmente.
De todas essas desigualdades, a que está nos afligindo sobremaneira é a desigualdade do castigo imposto aos que cometem crimes ou são acusados de cometê-los. Os cárceres brasileiros, em sua maioria, são os piores e mais desumanos do mundo, superlotados, sem nenhum tipo de apoio jurídico e de saúde aos detentos. Sem a presença do Estado, as ditas prisões acabaram nas mãos das facções criminosas.
Sabemos que as prisões estão cheias de pobres e repete-se o bordão – de jovens negros e pobres – que a maioria dos encarcerados está lá porque além de pobre são usuários ou traficantes de drogas. Os usuários pobres acabam se tornando reféns dos traficantes que usam a cadeia como escritório do crime. Protegidos, esses negociantes levam o seu empreendimento com leis de ferro. Não, não somos uma democracia.
Ninguém em sã consciência pode achar que tamanhas desigualdades possam conviver em uma democracia que pressupõe igualdade de oportunidades. Em nosso país, o desrespeito ao princípio da igualdade é coisa tão corriqueira que já passa a ser norma. Somos desiguais e ponto.
O noticiário sobre a situação da segurança pública em muitos estados da federação, policiais fazendo “greve”, presídios rebelados onde os detentos se matam das formas mais cruéis e bárbaras, a população pobre sob a égide das leis do tráfico de drogas, nos mostra a cada dia que não vivemos em uma democracia.
Mas temos de concordar que fomos sendo informados aos poucos, por juízes que julgam, por promotores e pela polícia federal que investigam o tamanho da indiferença dos que deveriam olhar pelas condições de vida de todos os cidadãos.
O que vemos no cenário do combate à corrupção pode ser uma esperança. O juiz Sergio Moro encara o seu trabalho a partir do pressuposto da igualdade perante a lei. O STF olha os casos de foro privilegiado e não pode se furtar a discutir penas e castigo. Penso que esse movimento, ao contrário do que muitos dizem, talvez seja o começo do fim dos privilégios que foram a tônica de nossa vida coletiva desde a Colônia.
A corrupção sistêmica da nossa sociedade tem de ser combatida para que a igualdade se implante, mesmo que de forma ainda precária.
Não, ainda não somos uma democracia, mas há que se ter esperança. Mesmo diante de uma enorme crise política e com ausência de lideranças que possam mostrar o caminho a seguir, há quem esteja lutando para que o princípio de igualdade perante a lei se implante, e esse é um bom começo.
Uma democracia implica em que os poderosos, os políticos os funcionários públicos e os empresários pensem no bem comum.
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