O saneamento básico ainda é um dos maiores problemas do Brasil. Quase 20% dos brasileiros ainda não têm água tratada em casa e metade não têm rede de esgoto.
O saneamento precário cria o ambiente propício a muitas outras doenças além das transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti. Elas são causadas pela ingestão de água contaminada ou pelo contato da pele ou mucosas com a própria água, lixo ou solo infectados.
Foi o que ocorreu a atletas de remo, vela e natação de vários países no ano passado, quando treinavam para os Jogos Olímpicos deste ano no Rio de Janeiro. Seguidos episódios de diarreia e vômito colocaram as deficiências do saneamento básico do Brasil na imprensa internacional. Chegou-se inclusive a levantar a hipótese de cancelamento de provas.
Boa parte dessas doenças tem ciclo de transmissão feco-oral, aquele em que agentes causadores presentes nas fezes humanas ou de animais entram pela boca de uma pessoa, que se contamina. Isso pode ocorrer pelo uso de água não tratada, tanto para beber quanto para lavar alimentos. Também se dá por falta de cuidados de higiene de quem se sujou com fezes e pela falta de destinação adequada dos dejetos e do lixo, que ficam expostos a moscas domésticas e outros insetos e acabam por comprometer a higiene.
As diarreias estão em primeiro lugar entre as doenças causadas por fatores ambientais, como pobreza, desnutrição, má qualidade dos alimentos consumidos, falta de condições de higiene pessoal e ausência de saneamento básico.
Apesar da multiplicidade de fatores, não é difícil estabelecer uma relação entre a precariedade do saneamento e as moléstias que acometem a população.
Estudo feito pela pesquisadora Denise Kronemberger, a pedido do Instituto Trata Brasil, avaliou a relação entre saúde e saneamento e seus impactos nos 100 maiores municípios do Brasil entre 2008 e 2011.
Internações
Uma das conclusões da pesquisa foi que, em 2010, os baixos índices de coleta de esgotos foram acompanhados por altas taxas de internação por diarreias em 60 de um total de 100 cidades pesquisadas. Entre as 20 cidades com menor taxa de internação, em média, 78% de população é atendida por coleta de esgotos. Por outro lado, nas dez cidades com maiores taxas de internação, tem-se cerca de 29% de população atendida por coleta de esgotos.
Os resultados do estudo reforçam a constatação de que as crianças são as mais vulneráveis. Nas 100 cidades analisadas, foram registradas 28.594 internações de crianças de até 5 anos, ou seja, 53% do total das internações no Brasil (54.339). O total de internações custa cerca de R$ 140 milhões por ano ao Sistema Único de Saúde (SUS).
À época da apresentação dos resultados da pesquisa, o presidente executivo do Instituto Trata Brasil, Édison Carlos, afirmou: “Infelizmente, o atendimento em saneamento básico ainda divide o Brasil. Cidades bem atendidas em água e esgoto economizam recursos com saúde e seus cidadãos são mais saudáveis, sobretudo as crianças. Enquanto isso, outras cidades gastam muito em internações e condenam seus cidadãos a conviverem com mais doenças da água poluída”.
Esse casamento perverso afeta principalmente as populações de baixa renda em todo o mundo, mais suscetíveis a adoecer devido à associação com outros fatores, entre os quais a desnutrição. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 88% das mortes por diarreias no mundo são causadas pelo saneamento inadequado. Dessas mortes, aproximadamente 84% são de crianças, sendo a segunda maior causa de mortes em menores de 5 anos. Estima-se que 1,5 milhão de crianças nessa faixa etária morram a cada ano vítimas de doenças diarreicas.
Especialistas das Nações Unidas também apontam a importância de se investir em saneamento básico. Segundo eles, a cada U$ 1 gasto com tratamento de esgoto, são economizados U$ 4 em atendimento de saúde. A oferta de esgoto encanado melhora o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de uma localidade e foi incluída entre os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, série de metas socioeconômicas que os países se comprometeram a atingir até 2015.
Campanha
Além das diarreias, inúmeras doenças são causadas pela precariedade nesse serviço. Entre elas, a febre tifoide, a febre paratifoide, as shigeloses, a cólera, a hepatite A, a amebíase, a giardíase, a leptospirose, a poliomelite, a ancilostomíase (amarelão), a ascaridíase (lombriga), a teníase, a cisticercose, a filariose (elefantíase) e a esquistossomose.
O tema do saneamento básico como ação de saúde esteve presente no Senado nas discussões sobre as doenças transmitidas pelo Aedes aegypti e a partir da Campanha da Fraternidade Ecumênica de 2016, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), cujo objetivo é chamar a atenção para a necessidade de melhorar as condições de saneamento do país. A campanha teve como tema este ano “Casa comum, nossa responsabilidade” e foi tema de sessão solene do Senado em fevereiro.
O senador Cristovam Buarque (PDT-DF), um dos parlamentares que solicitaram a sessão solene, afirmou que seria melhor que a CNBB não precisasse trazer o saneamento como tema de uma Campanha da Fraternidade pelo fato de que isso já fosse coisa de história.
“É surpreendente que isso seja novidade, porque, ao longo de toda a história do Brasil, nós relegamos o saneamento, a água limpa, a coleta de lixo nas casas dos pobres do Brasil. Isso é fato”, protestou Cristovam.
E dom Sérgio acrescentou que “a falta de saneamento básico destrói a casa comum, a família comum que habita essa casa, especialmente os mais pobres. A falta de saneamento básico mata”.
O senador Valdir Raupp (PMDB) defendeu a ampliação dos investimentos e citou o exemplo de seu estado, Rondônia, onde apenas 3,63% dos habitantes têm atendimento total de saneamento, o que faz o estado ser o pior do Brasil neste quesito.
“Doenças que são facilmente controláveis em regiões saneadas chegam a matar em lugares onde o tratamento de esgoto é negligenciado”, constatou.
A desigualdade regional na oferta desses serviços foi igualmente objeto das considerações da senadora Ângela Portela (PT-RR). Citando dados do IBGE, a parlamentar lembrou que o Brasil teve grande avanço nos últimos anos, mas há muitos problemas a serem superados.
“Cerca de 98% da população brasileira possui acesso à água potável, mas algo em torno de 17% dos municípios brasileiros ainda não dispõem de fornecimento de água encanada. Na comparação campo/cidade, é possível constatar que 99% da população urbana tem acesso a água potável, enquanto na área rural o índice é de 84%”, observou.
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