Tardiamente, no último dia 20 de fevereiro, o Supremo Tribunal Federal julgou o habeas corpus 143641, impetrado pelo Coletivo de Advogados de Direitos Humanos (CADHu) em parceria com a Defensoria Pública da União. O CADHu ingressou com o pedido em 2016, após Adriana Ancelmo, ex-primeira dama do Rio de Janeiro, obter o direito à prisão domiciliar para poder permanecer junto de seus filhos.
O habeas corpus foi pedido coletivamente, para que pudesse garantir o direito das milhares de mulheres na mesma situação, porém sem o mesmo acesso à Justiça que teve Adriana Ancelmo.
Ao analisar o habeas corpus coletivo, o STF concordou com o pedido e determinou que todas as mulheres grávidas ou mães de crianças que estivessem presas preventivamente pudessem permanecer em prisão domiciliar.
“Mas por que o STF decidiu dessa forma?” “A lei permite soltar essas mulheres?” “E agora, essas mulheres ficarão impunes?” “Não será um estímulo à criminalidade?”
O primeiro ponto é: por que o STF decidiu desta forma? Porque a lei determina que mulheres gestantes ou mães de crianças de até 12 anos que estejam presas preventivamente aguardem a decisão final sobre o seu processo em prisão domiciliar. É o que está escrito, textualmente, no artigo 318 do Código de Processo Penal [vide nota de rodapé].
Do ponto de vista jurídico, é muito importante destacar que esta decisão do Supremo determina tão somente que se aplique a lei. Em 2016, o Marco Legal da 1ª Infância, que estabelece políticas públicas para crianças de zero a 06 anos, alterou várias leis brasileiras, dentre as quais o Código de Processo Penal, fazendo constar, expressamente, dentre os casos em que o juiz pode conceder a prisão domiciliar, a hipótese de mulheres grávidas ou com filhos de até 12 anos. Embora a lei esteja em vigor há quase dois anos, vinha sendo reiteradamente descumprida por juízes de todo o país, e essa decisão do STF possibilita corrigir esta injustiça.
Um segundo ponto importante a destacar é: em que consiste, na prática, a decisão do STF? As mulheres grávidas ou mães de crianças até 12 anos terão as prisões preventivas decretadas em seu desfavor revogadas – vale ressaltar que elas estão presas preventivamente, ou seja, não foram condenadas e estão aguardando julgamento. Isso quer dizer que, se condenadas ao final do processo, retornarão para a prisão. Portanto, não se trata de uma absolvição, nem muito menos algum tipo de “perdão” do crime de que são acusadas caso o tenham efetivamente praticado, nem haverá o encerramento dos seus processos criminais. Aliás, a prisão domiciliar tem regras restritivas e não se confunde com a liberdade provisória, que é concedida para quem está no final do cumprimento da pena.
Há quem questione se essa decisão não seria um estímulo à criminalidade, e até mesmo cogita que grupos de criminosos poderão “contratar” mães como mão-de-obra. Para quem pensou nesta hipótese, lanço a seguinte pergunta: o fato de tantas mulheres nesta situação estarem sendo presas não parece gerar qualquer efeito dissuasório, não é? Não seria o caso de atentar para a situação de vulnerabilidade dessas famílias e buscar outras soluções, além de tentar compreender quais contextos socioeconômicos estão levando essas mães a serem presas?
Mas, sem dúvida, o grande impacto se dá na vida dos filhos destas mulheres. Sem a possibilidade da prisão domiciliar, somente restavam a essas crianças duas alternativas, ambas violadoras de direitos: ou a violação dos direitos à saúde e à existência digna ao serem mantidas no ambiente insalubre das prisões brasileiras, ou do seu direito à convivência familiar, que corresponde a conviverem e serem cuidadas por suas mães.
Além disso, a Constituição Federal determina que nenhuma pena poderá ultrapassar a pessoa do condenado, e a manutenção dessas mulheres no cárcere com seus bebês e filhos pequenos implicava encarcerar crianças.
A decisão do STF, tomada a partir do habeas corpus do Coletivo de Advogados em Direitos Humanos e da Defensoria Pública possibilita refletir que sociedade queremos, e se devemos nos sentir mais seguros prendendo mulheres pobres e seus bebês.
Nota:
A prisão domiciliar está prevista no artigo 317 do Código de Processo Penal, que diz: A prisão domiciliar consiste no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial.
O artigo 318 contém as hipóteses que autorizam a prisão domiciliar:
Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:
(…)
IV – gestante;
V – mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos.
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